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30/04/2009 - 07h00

Portadores de síndrome chegam a se automutilar para receber atendimento

Por Cristina Almeida
Especial para o UOL Ciência e Saúde
Jennifer Bush, aos oito anos, era uma menina famosa. Por causa de sua imagem saudável, que representava o bem estar e a esperança, foi escolhida entre centenas de candidatas para ilustrar os cartazes da campanha de reforma do sistema de saúde americano, dirigida pela então primeira-dama, Hillary Clinton. Ao lado da criança, a presença de sua mãe era marcante, dada sua simpatia e gentileza.

Após uma denúncia, verificou-se que a jovem senhora, aparentemente tão disponível, submetera Jennifer a uma série de regimes alimentares e tratamentos que resultaram em 200 hospitalizações e 40 cirurgias, remoção de sua vesícula biliar, apêndice e parte dos intestinos. Peritos que a examinaram posteriormente concluíram que as intervenções eram desnecessárias, e só foram realizadas por causa da insistência da mãe de menina junto aos médicos.

Divulgação
Ator interpreta o Barão de Münchausen, personagem da literatura famoso pelas mentiras; seu nome passou a designar uma doença que leva as vítimas a mentir para receber tratamento médico ou hospitalar
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Segundo Rubens M. Volich, psicanalista e professor do Instituto Sedes Sapientiae, autor dos livros "Hipocondria, Impasses da Alma, desafios do corpo" e "Psicossomática - De Hipócrates à Psicanálise" (ed. Casa do Psicólogo), em 1951 casos semelhantes a esse foram descritos pela literatura especializada, quando se observou que determinado grupo de pacientes forjava sintomas físicos visando assumir o papel de doente.

Essas pessoas se valiam da ingestão de substâncias, automutilação, ou qualquer outra coisa capaz de justificar um atendimento médico. O processo poderia se repetir em diferentes partes do corpo e com nomes fictícios.

Pedido de socorro

O simulacro de doenças não era percebido pelos profissionais até que um histórico de trinta ou quarenta intervenções médicas fosse descoberto. Esse tipo de comportamento foi denominado Síndrome de Münchausen, por causa do célebre personagem mentiroso do livro de Rudolf Erich Raspe, de 1785. Após mais de vinte e cinco anos, uma variante da patologia foi identificada e batizada como Síndrome de Münchausen por Procuração: nesse caso, quem simulava quadros clínicos para seus filhos eram as mães.

Volich explica que nas formas leves, essas mães inventam sintomas que obrigam os médicos a intervenções e tratamentos desnecessários; nas formas graves, elas são capazes de injetar vírus, induzir diarréias, produzir hemorragias etc., e em 10% dos casos as consequências são fatais. Mas por que isso acontece? A resposta do psicanalista surpreende: "na essência, trata-se de um pedido de socorro".

O professor revela que essa Síndrome é uma forma extrema do comportamento típico da hipocondria, muito mais conhecida, e que é considerada uma doença imaginária decorrente da fantasia e da percepção errada que uma pessoa tem de seu corpo.

Angústia, excitação e raiva

"Freud já preconizava que as manifestações da hipocondria estavam relacionadas à angústia e aos níveis de excitação do organismo, bem como aos recursos psíquicos que tentam organizá-las por meio de representações", comenta Volich. "A tese freudiana é que a hipocondria e a neurose obsessiva compartilham de uma dinâmica comum, que se estrutura por meio da dúvida, da culpa, da autoacusação e da incerteza".

E acrescenta, "na dinâmica hipocondríaca, o sujeito toma seu corpo como palco onde ele se deixa levar pelas oscilações de suas dúvidas e certezas. Ele duvida de sua saúde, do funcionamento de seus órgãos, e, aparentemente, para livrar-se de seus receios e de suas questões, ele procura um médico".

Porém, quando um hipocondríaco recebe a boa notícia de que não há nada de mal com ele, a reação não é de contentamento. A declaração funciona como um reforço para a convicção de que algo não está bem. Volich esclarece que é aqui que "se inicia a prática de todos os artifícios para provar a existência de uma doença, contradizendo todas as evidências contrárias".

Dinâmica de destruição

Segundo o especialista, o que acontece com os hipocondríacos é que eles apresentam uma falha em suas representações corporais e relacionais com os outros: "na representação do sujeito, o outro não é confiável como fonte de amor, não podendo, portanto, propiciar a experiência de um corpo íntegro a ser amado".

Geralmente, quando se vai ao médico, o que se busca é o alívio. Para o hipocondríaco, ao contrário, não consentir o cuidado se transforma numa forma de vingança causada pela desconfiança na capacidade do outro, neste caso o médico, de cuidar dele. Por isso, revela Volich, "a oferenda do corpo feita pelo hipocondríaco a seu médico seria um engodo, uma tentativa, às vezes no limite do desespero, de subtrair esse corpo ao saber e ao desejo de um outro. A oferta permanente e insistente de seu corpo, feita pelo hipocondríaco ao médico, escamoteia, na verdade, uma autêntica dinâmica de destruição".

Ouvir a dor

A solução para os analistas, médicos e terapeutas, protagonistas das cenas montadas pelos pacientes, é aprender a ouvir o corpo para entender a hipocondria e todas as suas manifestações somáticas, pois "o hipocondríaco está sempre lançando para o outro um apelo para o alívio de seu sofrimento, muitas vezes indizível".

"Nas manifestações hipocondríacas e nas doenças orgânicas o paciente vive seu drama, solitário, recusando incluir quem quer que seja em sua cena empobrecida. Seu corpo é o único personagem dos monólogos que buscam revelar suas entranhas", afirma Volich.

A incapacidade de ouvir, que pode também ser uma negligência, "contribuirá para que o sofrimento busque no ato, nos comportamentos de risco, na mutilação intencional e concreta do corpo, na oferenda desse corpo em sacrifício - para o outro, o médico, para as câmeras de TV - ou, no extremo, na morte, a tentativa última de fazer ouvir sua dor", conclui o psicanalista.

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