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21/09/2008 - 06h00

Em centro de tratamento de Alzheimer, faíscas de vida aparecem

Emerson Moran Jr.
New York Times
A casa de repouso de Pat, Chatsworth, fica a apenas alguns passos do parquinho do bairro, passando pelo gazebo, diante de campos de futebol gastos. Quando o tempo está bom, vou de bicicleta, carregando suas roupas lavadas em uma mochila; dobrar as roupas dela me faz sentir normal.

Pat vive aqui há mais de dois anos. É um dos 18 residentes de uma unidade trancada de problemas mentais chamada Chelsea Meadows. Apesar de ser 20 anos mais nova que os outros, o mal de Alzheimer já fez praticamente tudo que teria que fazer com ela. Só não a matou. Isso vai acontecer aqui. O local se auto-intitula "lugar para morrer".

Quando você entra pelas portas duplas, está em uma extremidade de um cômodo claro e arejado com metade do tamanho de um campo de futebol. O espaço serve de hall, sala de estar, sala de jantar, sala de convívio e cozinha, tudo em um. Colunas, arcos, entradas para quartos, cestas de heras penduradas e plantadores de buganvília trazem proporção ao lugar.

Paredes em tons claros são decoradas com fotos de crianças sorrindo, barcos, cenas de praia, uma banana split tamanho gigante. Uma passagem ampla de madeira para os que ficam perambulando circunda o espaço.

O mal de Alzheimer chegou cedo para Pat, tomando opressivamente mais da metade dos nossos anos juntos. Primeiro, suas memórias foram indo embora, depois o raciocínio, a intuição, e finalmente qualquer faísca cognitiva que acendia seu ser.

Sua personalidade, que antes era incrivelmente misericordiosa, perdeu sua cor e aspecto - uma obra de arte que se desbotava. Mais tarde ficou impedida de andar, falar ou se alimentar sozinha, incontinente, enfraquecida pelos pequenos derrames. Ela não podia mais ficar em casa.

A coisa de que mais senti falta na primeira noite sozinho em casa foi o ronco dela. É incrível como aquele ruído incômodo era tranqüilizador no escuro. Até senti falta das idas ao Costco para comprar fraldas geriátricas em grandes pacotes - e fazer uso delas.

Em Chelsea Meadows, eles cuidam de tudo isso. A equipe que põe a mão na massa é atenciosa e comprometida. A comida, mesmo pastosa, é boa. Mas a comida e o nome extravagante não conseguem esconder a realidade terrível de que a vila artificial de Pat não pode oferecer cura nem esperança. É um mausoléu com cara de casa, inclinado para fora na beira do nada.

A iminência da morte é uma constante; sua chegada é concreta. A porta de um quarto, que geralmente fica aberta, está fechada. Enfermeiras vigiam tudo 24 horas por dia, sete dias por semana. Membros da família que moram em outra cidade, recém-chegados do aeroporto, se agrupam desorientados e reservados. Eles evitam o contato conosco, os locais.

Ada e Gertrude são locais. Nós andamos juntos. Recentemente, o marido de Ada, um homem que trabalhou na IBM nos velhos tempos, parou de comer. Ele morreu duas semanas depois. No funeral, Gertrude e eu, espectadores do nosso próprio futuro, nos afastamos dos enlutados.

Depois, fui ver Pat. No meio da tarde, geralmente ela está na cama, abraçada com Little Guy, seu cachorro de pelúcia despenteado, um CD do grupo Celtic Woman tocando repetidamente.

No entanto, esta tarde ela está acordada, em uma cadeira de rodas tão grande que tem freios de mão, usando um cardigã laranja-coral sobre uma camiseta do Metropolitan Museum of Art.

Cabeça pendendo para frente, olhos fechados, ela poderia estar cochilando - ou ter sido derrubada pelos coquetéis de remédios que aliviam suas dores físicas e psicológicas.

Eu chego perto, cantando "Let Me Call You Sweetheart," desafinado. Nenhum movimento, nenhuma tremulação. Chegando mais perto, acaricio uma de suas bochechas, dou um beijo na outra. Nada ainda. Mais beijos. Colo minha testa na dela. "Muito bom, não?" As pálpebras não piscam, nenhum leve sorriso, nada. Ela inspira. Seus lábios se movem. Uma palavra: "Bonito". Minha pele se arrepia, recupero o fôlego. É um "bonito" claro, bem formado, a primeira palavra em meses, uma palavra que casa perfeitamente com o momento.

Então, foi-se. A faísca de luz sináptica passa. Aquela noite, acordado, pensei: foi Pat que escolheu o "bonito"? ou o "bonito" escolheu Pat? Ela sabe?

Esta manhã, Pat está em sua cadeira, passiva, sensível a sons, mas não a substância. Coloco Little Guy em seu colo. Seus olhos azuis irlandeses estão nublados. Não há ninguém ali.

Estamos no quarto dela, suas pinturas emolduradas misturadas com fotos de família e desenhos feitos pelos netos. Pat em um avião biplano Bucks County, mergulhando em St. Croix, em Carbondale com seus primos. A jaqueta de safári de seu professor do Lincoln Park Zoo está pendurada no armário.

Sento na cama, minhas mãos nas delas, conversas sobre verões na praia, panquecas de uvas-do-monte (sua favorita), sorvete italiano na praia... Pat agarra com forma meu dedo indicador, seu "ser" em uma distância silenciosa, levado a um espaço interior profundo, talvez ao infinito. Faz sentido. Afinal, o "bonito" de Pat soou como a própria voz de Deus. Digo a Pat que tenho que ir. Ela não solta meu dedo, aperta com força. Ela sabe. Pat realmente sabe.

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