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30/01/2009 - 20h34

Disseminação da malária preocupa, enquanto remédio perde potência

Por Thomas Fuller
The New York Times
As aflições deste país empobrecido estão em completa exposição no seu lado ocidental: as meninas de aluguel em frente a restaurantes, as esburacadas estradas de terra e as onipresentes placas de aviso dizendo "Perigo, Minas!"

Porém, o que ilude o olho nu é um problema potencialmente mais grave, especialmente para o mundo exterior. O parasita que causa a forma mais mortal de malária está mostrando os primeiros sinais de resistência à melhor droga contra ela.

Tratamentos combinados usando artemisinin, um medicamento antimalária extraído de uma planta usada na medicina tradicional chinesa, foi considerado nos últimos anos a maior esperança para a erradicação da malária na África, onde mais de 2 mil crianças morrem diariamente em decorrência da doença.

Agora, uma série de estudos, incluindo um recentemente publicado no The New England Journal of Medicine e um programado para acontecer breve, fortaleceu um consenso entre pesquisadores de que o artemisinin está perdendo sua força e que mais esforços são necessários para evitar que a malária resistente à droga se espalhe pelo mundo.

"Não podemos simplesmente varrer esse fato para debaixo do tapete", disse R. Timothy Ziemer, almirante reformado da marinha americana que chefia a Iniciativa Presidencial da Malária, o programa de 1,2 bilhão de dólares iniciado pela administração Bush há três anos para reduzir pela metade as mortes por malária nos países mais afetados.

Ziemer se reuniu com funcionários dos governos tailandês e cambojano no mês passado para avaliar o problema da resistência, que afeta os mesmos medicamentos usados pela iniciativa da malária na África.

"Sentimos que precisamos não só rufar os tambores, mas também balançar a jaula: pessoal, isso é significativo", disse ele.

Embora os estudos mostrem sinais relativamente precoces da resistência ao artemisinin, os medicamentos falharam em apenas dois pacientes, no estudo recentemente publicado. Mesmo eles foram eventualmente curados.

Porém, especialistas em malária apontam que, muitas vezes no passado, esta mesma área da fronteira entre Tailândia e Camboja parece ter sido um ponto de partida para ondas de malária resistentes a drogas, começando nos anos 50 com o medicamento cloroquina.

Introduzida imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, a cloroquina foi considerada uma cura milagrosa contra a malária falciparum, o tipo mais fatal. No entanto, o parasita evoluiu, a doença resistente se espalhou, e a cloroquina é hoje considerada praticamente inútil contra a malária em muitas partes do mundo, incluindo a África subsaariana.

Levou décadas para que essa resistência se espalhasse pelo mundo. Assim, seguindo essa lógica, os medicamentos baseados em artemisinin devem continuar úteis por muitos anos.

Para se proteger contra a resistência ao artemisinin, as autoridades mundiais de saúde estão tentando assegurar que a droga seja vendida unicamente como pílula combinada a outros remédios antimalária que duram mais tempo no sangue, eliminando quaisquer parasitas resistentes ao artemisinin.

Os dois testes mais recentes mostrando resistência ao artemisinin foram realizados com pílulas que não tinham um remédio combinado. Mas, se a resistência se espalhar, não existem novas drogas para substituir as combinações baseadas em artemisinin - e nenhuma possibilidade imediata sendo desenvolvida.

"Isso poderia se espalhar em qualquer direção; temos de nos certificar de que não se espalhe", disse Pascal Ringwald, coordenador para a malária da Organização Mundial de Saúde, que há três anos liderou um estudo sobre resistência a drogas no Camboja e é co-autor de um estudo em desenvolvimento sobre o assunto. "Sabemos que ainda não está em Bagladesh", disse ele. "Ainda não chegou à Índia".

Cientistas documentaram como os parasitas da malária resistentes à cloroquina nos anos 50 se espalharam para Tailândia, Birmânia, Índia e África, onde ocorrem uma grande parte das quase 1 milhão de mortes relacionadas à malária.

Para evitar uma recorrência nos tratamentos por artemisinin, os Estados Unidos colocaram de lado as considerações políticas e aprovaram um centro de monitoramento de malária na militarizada Mianmar, antigamente conhecida como Birmânia. A Fundação Bill e Melinda Gates, um dos maiores doadores à pesquisa sobre malária, está disponibilizando US$ 14 milhões aos governos da Tailândia e do Camboja para ajudar a financiar um programa de contenção.

Esse programa inclui esforços para suprir a área com redes contra mosquitos, um programa de exames para todos que vivem em áreas afetadas, e visitas de acompanhamento por funcionários da saúde para avaliar a eficácia dos remédios, diz Dr. Duong Socheat, diretor do Centro Nacional de Malária do Camboja. No lado tailandês da fronteira, o governo tem "microscopistas motorizados", que coletam amostras de sangue de moradores e trabalhadores migrantes, as analisam localmente, e distribuem remédios antimalária.

No entanto, alguns especialistas são a favor de uma abordagem ainda mais agressiva.

"Muitos de nós pensam que isso deveria ser tratado no mesmo nível da SARS," diz o coronel Alan J. Magill, pesquisador do Instituto Militar de Pesquisa Walter Reed, em Maryland. "Deveria ser considerado uma emergência global, abordado de maneira global". A SARS, doença respiratória que se espalhou rapidamente pela Ásia e outros lugares em 2003, matou mais de 700 pessoas.

O parasita falciparum é um dos quatro tipos de malária - de longe, o mais virulento. Ele entra na corrente sanguínea através da picada de um mosquito. Após incubar por cerca de duas semanas, ele se multiplica e domina os glóbulos vermelhos. Ele causa febre, calafrios, dores de cabeça e náuseas, entre outros sintomas. Caso não sejam tratadas, as células infectadas podem bloquear os vasos sanguíneos e fatalmente cortar o fornecimento de sangue a órgãos vitais.

Estudos recentes mostram que remédios baseados em artemisinin estão se tornando menos eficazes em remover o parasita da corrente sanguínea. Enquanto alguns anos atrás a droga limpava o sangue em 48 horas, hoje pode levar até 120.

"Nosso estudo demonstra que o tratamento para alguns pacientes fracassa - a malária vai embora e depois retorna", disse o tenente-coronel Mark M. Fukuda, médico das forças armadas americanas cujo estudo foi publicado em dezembro no New England Journal of Medicine.

Diferentes regiões dependem de diferentes combinações de artemisinin. O governo cambojano recomenda que o artemisinin seja combinado com mefloquine, desenvolvido pelos militares americanos e conhecido comercialmente como Lariam. Artemether, um derivado do artemisinin, é muitas vezes combinado com outra droga antimalária, o lumefantrine. Essa foi recentemente considerada a mais eficaz combinação, de acordo com um estudo com crianças em Papua-Nova Guiné.

Também se espera que a mesma combinação seja aprovada para venda nos EUA em breve, produzida pela Novartis e principalmente direcionada a pessoas que viajam para fora do país ou àquelas que chegam aos Estados Unidos com malária.

O mosquito responsável pela transmissão de malária ainda é endêmico nos Estados Unidos. Porém, as moradias modernas, o melhor acesso a tratamentos de saúde e o uso de inseticidas praticamente erradicaram a doença nos países mais ricos.

Aqui em Tasanh, um vilarejo 32 km ao leste da fronteira da Tailândia, Fukuda e uma equipe de pesquisadores trabalham no que é eufemisticamente chamado de ambiente mais desafiador. Tasanh é servida por uma estrada de terra e não tem água corrente ou fornecimento público de eletricidade.

Em uma pequena e espartana clínica, Chet Chen, paciente de malária de 18 anos, deita letargicamente sobre uma velha cama de ferro, ao lado de uma amostra de sua urina em uma garrafa usada de água. O enfermeiro que examina amostras de sangue está do lado de fora, ajudando a consertar o cortador de grama.

Em um pequeno e novo anexo da clínica, Dr. Fukuda e seus pesquisadores trabalham em um ambiente trilíngue - khmer (cambojano), tailandês e inglês -, o que às vezes causa confusão.

Recentemente, americanos que estavam na clínica abafaram o riso quando um pesquisador tailandês descreveu um paciente como tendo o "corpo quente" - uma tradução literal para "febre" em tailandês que, em inglês, evoca imagens típicas de uma casa de strip-tease.

Acredita-se que, no passado, trabalhadores migrantes em plantações e minas de pedras preciosas ajudaram a disseminar a malária resistente a drogas para o Ocidente. Um histórico de inquietação civil, drogas falsificadas e um governo fraco e subfinanciado dificultou o controle sobre a malária. No caso da cloroquina, o uso preventivo da droga - incluindo sua inserção no sal de mesa, a fim de proteger uma parte maior da população - pode ter, na verdade, incentivado a resistência, dizem Fukuda e outros.

Não foi antes de 1990 que o mefloquine, medicamento do exército americano, foi combinado ao artemisinin, feito a partir de uma erva chinesa.

Combinações baseadas em artemisinin mostraram ser de ação mais rápida e pareceram desacelerar a transmissão da doença, disse Dr. John MacArthur, especialista em doenças infecciosas da Agência Americana de Desenvolvimento Internacional em Bangcoc, Tailândia.

MacArthur e outros sustentam que a resistência às drogas antimalária é uma consequência natural do uso indiscriminado do medicamento. "No caso da malária, é o darwinismo do parasita", disse ele. "Ele gosta de sobreviver."

Ainda assim, alguns pesquisadores estão preocupados em não enviar uma mensagem errada ao público, em relação à eficácia dos medicamentos baseados em artemisinin.

Esse não é um anúncio da morte do artemisinin, segundo Dr. Nicholas White, especialista em malária e diretor de um programa conjunto de pesquisa entre a Universidade de Oxford e a Universidade Mahidol, na Tailândia. "O medicamento ainda funciona no Camboja, talvez não tão bem quanto antes."

No entanto, dado o histórico de fracassos de remédios por aqui, parece haver um consenso sobre a solução.

"Acabar com toda a malaria no Camboja", diz White. "Erradicá-la. Eliminá-la."


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